Terapia Contra Vírus Epidêmicos a partir de Nanobloqueios de Ligação Viral

O vírus é um parasita intracelular obrigatório capaz de sobrepor as defesas de seu hospedeiro e desencadear inúmeras doenças a depender de sua classe. O SARS-CoV-2, agente etiológico da COVID-19, tornou-se uma grande preocupação global devido à alta transmissibilidade e a capacidade de ocasionar sintomas leves a críticos, como a síndrome respiratória aguda, principalmente em pessoas idosas ou debilitadas. Outros vírus epidêmicos, incluindo o Influenza e o Rotavírus, estão envolvidos em surtos de doenças infecciosas e também na sobrecarga do sistema de saúde. Embora alternativas de tratamento e vacinas estejam disponíveis, a alta taxa de mutação viral e a dificuldade em desenvolver tratamentos de longo prazo, afasta a medicina de uma solução para a alarmante situação. Como forma de mitigar este problema, pesquisadores da Universidade de Pequim, na China, propuseram uma nanopartícula capaz de bloquear regiões de reconhecimento e ligação viral presentes na superfície celular do hospedeiro, evitando a infecção da célula por um amplo espectro de vírus. 

A infecção celular é a etapa inicial do ciclo de replicação viral. Desse modo, para que a mesma ocorra, é necessário que haja a ligação entre uma molécula de superfície da partícula viral com receptores específicos da membrana celular do hospedeiro. Um dos receptores presentes em todos os mamíferos e que está envolvido em diversos processos celulares, incluindo na adesão e no reconhecimento celular de uma ampla diversidade de vírus e outros patógenos, é o Ácido Siálico (AS). O AS é encontrado conjugado com biomoléculas presentes na superfície de células e tem a sua biossíntese (realizada no interior da célula) e transporte associado à ação de sialiltransferases (ST), enzimas que catalisam a ligação do AS às biomoléculas que, após reação de sialilação, ficam disponíveis na membrana para ligação. Apesar da utilização de um inibidor de ST parecer promissor para impedir a infecção viral, a rápida depuração da molécula e a baixa especificidade o afastam do posto de terapia antiviral ideal. 

As nanopartículas são estruturas nanométricas capazes de agrupar em seu núcleo determinada substância de interesse e de ter funcionalidades e especificidades particulares, a depender de sua composição. Para aprimorar o uso de inibidores, foi desenvolvida pelo grupo uma nanopartícula lipídica que contém, em seu interior, um inibidor de ST.  Dessa forma, devido à sua natureza lipofílica, a nanopartícula é facilmente absorvida pelas células e, por permitir uma entrega direcionada do inibidor e o proteger da depuração, apresentou resultados satisfatórios quando comparado aos inibidores de ST disponíveis comercialmente. Para obter o efeito esperado, após ser internalizada pelas células por endocitose, a nanopartícula tem a sua capa lipídica degradada, liberando o inibidor ST que bloqueia competitivamente o ST que, por sua vez, interrompe a via de biossíntese do AS e consequentemente gera a perda do reconhecimento celular de partículas virais as quais, a partir deste momento, são incapazes de causarem infecção (Figura 1).

Para avaliar a atividade in vitro e in vivo da nanopartícula, foram realizados testes em células suscetíveis a infecção viral, como cepas de SARS-CoV-2, Influenza (A, B, C e D) e Rotavírus; e em hamsters, respectivamente. Os resultados in vitro indicaram uma redução progressiva dos ácidos siálicos da superfície celular e bloqueio de mais de 75% da infecção pelo SARS-CoV-2, assim como bloqueios efetivos da infecção por Influenza, especialmente tipo A, e Rotavírus. Durante os ensaios in vivo, por sua vez, houve consistência do fenômeno observado em nível molecular e, além de impedir a infecção e não causar danos aos tecidos, as nanopartículas apresentaram proteção contra a perda de peso, geralmente induzida pela infecção do SARS-CoV-2, e inibição da tempestade de citocinas, um quadro inflamatório grave nos tecidos pulmonares; assim como a redução da carga viral. Portanto, o estudo indicou uma alternativa profilática antiviral eficaz por meio de uma nanopartícula biocompatível, seletiva e funcional, uma vez que ocorre inibição da reação de sililação e consequentemente a interrupção da via de biossíntese de AS, que representa o sítio chave de ligação viral no processo de infecção, além de ampliar o entendimento do ciclo de replicação viral e o papel de moléculas, como o AS, durante esse processo. Apesar disso, ensaios clínicos futuros são necessários para avaliar o comportamento da nanopartícula no organismo humano. 


Figura 1: Ilustração do mecanismo terapêutico de amplo espectro de vírus epidêmicos por nanopartículas contendo inibidor de ST. Adaptado de Zhang et al. (2024).

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