Biorremediação de Metais Pesados com Cianobactérias Encapsuladas em Nanomaterial

O lema pós Revolução Industrial dos recursos minerais enquanto matéria-prima do desenvolvimento moldou o que conhecemos como sociedade moderna. Com a intensificação das atividades extrativas e do depósito inadequado de rejeitos metálicos tóxicos, impactos ambientais, incluindo contaminação de solos e corpos d’água foram agravados. Assim,  os riscos ao ecossistema e à saúde humana se tornaram inevitáveis. 

O cádmio (Cd) é um metal de alta densidade encontrado associado a minérios de zinco (Zn), cobre (Cu) e chumbo (Pb) que, ao contaminar águas de irrigação oriundos de efluentes de mineração e ser ingerida, desencadeou a doença conhecida como Itai-Itai, registrada pela primeira vez no Japão. Essa doença apresenta sintomas que perpassam a extrema dor óssea até danos graves aos rins, além de gerar problemas pulmonares em casos de inalação do material. Embora seja uma questão de saúde pública, a remoção de metais pesados do ambiente é cara e ineficiente, gerando resíduos como o lodo tóxico, capaz de contaminar o solo e águas subterrâneas utilizadas para o abastecimento industrial e doméstico. 

Por outro lado, a biorremediação mostra-se como alternativa viável e ecológica, uma vez que utiliza microrganismos, como bactérias e fungos, para remediação de regiões contaminadas. Entretanto, bactérias e leveduras heterótrofas que dependem de fontes de carbono para a sua sobrevivência tendem a uma baixa resistência quando inseridas em ambientes com altos teores de metais pesados, por exemplo. As cianobactérias fotossintéticas, por sua vez, possuem maior capacidade de tolerância, embora a sua aplicação ainda seja limitada. Como forma de contornar este cenário, pesquisadores da Universidade de Tianjin, na China, propuseram um modelo de biorremediação de metais pesados, especialmente de Cd2+, in vitro e em in vivo, baseado em cianobactérias modificadas geneticamente e encapsuladas em hidrogéis de alginato. 

As fitoquelatinas (PCS) e metalotioneínas (MT) são proteínas presentes em alguns organismos, como plantas, e são capazes de ligar-se a metais quando sua síntese é induzida a partir da exposição a metais não essenciais ou em excesso. Com base nisso, genes que codificam estas proteínas quelantes de metais foram introduzidas e superexpressadas na cianobactéria modelo Synechocystis sp. PCC/6803, aumentando significativamente a sua tolerância e a sua capacidade de adsorver metais pesados. Considerando que elementos metálicos, como Ag, são letais por sua ação antimicrobiana, o grupo encapsulou a cepa em nanomaterial de hidrogel à base de alginato capaz de proteger e isolar as células, além de estabilizar e controlar a sua liberação no ambiente (cepa-ELMs). Para testar a hipótese de que a cepa seria adequada para a remoção de Cd2+ de águas residuais contaminadas, os pesquisadores realizaram testes in vitro monitorados com peixes-zebra introduzidos em um ambiente com níveis de Cd2+ controlados. Os resultados mostraram que as cianobactérias modificadas e encapsuladas com o nanomaterial eram eficazes na proteção dos peixes contra os efeitos tóxicos do metal, reduzindo a sua mortalidade. Com a resposta promissora inicial, testes in vivo para avaliar a capacidade da cepa em reduzir os níveis de Cd2+ no organismo foram desenvolvidos em camundongos. Após a ingestão de água contaminada pelo modelo animal, as cianobactérias reduziram os níveis plasmáticos do metal pesado, melhoraram a saúde e o comportamento do animal mesmo após a exposição ao Cd2+. O esquema simplificado do estudo é apresentado na Figura 1. 

O sistema projetado por Sun et al. demonstrou potencial viabilidade de aplicação, além de ser biocompatível e eficaz na remoção de metais pesados sob as condições simuladas. Desse modo, o estudo oferece estratégias alternativas às tradicionais para remediar a contaminação de águas residuais de mineração e as suas respectivas consequências. Isso inclui a ingestão desses metais por animais e humanos, o que poderia levar a graves problemas de saúde, como a doença Itai-Itai. Para além disso, estudos posteriores para biorremediação com cepas ainda mais eficientes estão em andamento, assim como a criação de biomateriais que permitam a troca de substâncias sem o vazamento das cepas, aumentando a sua sobrevivência no ambiente.


Figura 1: Esquema representativo do estudo. (I) proteínas quelantes introduzidas na cepa; (II) cepa modificada utilizada via coleta por centrifugação ou (III) encapsulada em hidrogéis de alginato; (IV) testes in vivo realizados em modelos de camundongos e (V) testes in vitro realizados em modelos de peixe-zebra.
Modificado de Sun et al. (2024).



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