TURISMO, CONSUMO E IMPACTO SOCIAL: ALGUMAS CONSIDERAÇÕES


Jorge Machado

(1996)

CELACC – Centro de Estudos Latino-Americanos de Cultura e Comunicação da Escola de Comunicação e Artes da

Universidade de São Paulo – ECA/USP


Relatório do CELACC de 1996 para o Conselho Nacional de Pesquisa - CNPq
http://www. forum-global.de/bm/articles/impacturismo.html



Turismo, Consumo e Impacto Social: Algumas Considerações


Para falarmos de turismo e o seu consequente impacto social que provoca nas localidades receptoras, passamos, fundamentalmente pelo elemento consumo. O consumo não se dá apenas ao nível do estímulo capitalista da exploração local das necessidades materiais aquisitivas do turista, mas, mais além disso, do consumo da paisagem, este sim como pano de fundo e veículo das transformações mais profundas que ali se realizarão.

É a paisagem natural que atrai o turista, ou mesmo a paisagem transformada pelo homem – quando as marcas expressas de sua intervenção remetem ao belo, ao interessante, ao histórico. É o prazer de conhecer, é o prazer de sentir, é o prazer de estar, é o “novo” que atrai o turista.

Porém é a paisagem natural – daqui para frente me referirei à paisagem livre da intervenção massiva do turismo e da ação do homem como natural, não correspondendo, portanto, ao significado estrito da palavra – por mais bela que seja, é permeada por elementos negativos. Ou seja, a paisagem natural não é, em si, desejável, é o natural. Enquanto parte da função consumo, tal como mercadoria, deve ser “aperfeiçoada” a fim de atrair o consumidor. A transformação da paisagem se dá no sentido da adequação da estética ao consumo, mesmo que essa adequação implique alterações profundas. O bom/ o belo/ o limpo são elementos valorizados, tal como vemos nos folhetos publicitários. Tudo deve ocorrer no sentido de agradar ao turista com a paisagem natural, nova, desconhecida, bela, sem fazer, porém com que este deixe de ter acesso aos hábitos de prazer, consumo e conforto a que está habituado. Dessa tentativa de adequação da estética, da transfiguração para o desejável, em que se operam as transformações na paisagem natural. Preserva-se esta à medida do desejável – tendo como parâmetro a função consumo –, constitui-se a plasticidade do irreal, onde a estética se adequa ao consumo. Por fim, temos a economia de mercado, ou como se prefira chamar, como veículo de transformações da paisagem natural.

Vale dizer, porém, que essas forças não operam de maneira coordenada e não se encontra no mercado fim algum para conservação da paisagem. O mercado opera em função dos agentes econômicos, do fluxo de capitais. A paisagem é então consumida tal como uma mercadoria – salvo uma intervenção governamental – e tem seus elementos transformados e remodelados de maneira desordenada. Cabe, portanto, a nós, investigar quais são as conseqüências objetivas dessas transformações, bem como quais são seus conseqüentes impactos sociais.


Turismo e Impacto Social


Na estética do consumo turístico, a pobreza é algo indesejável, tal como tudo que é feio, sujo ou que se afasta do desejável. A realidade local não importa quanto à constituição da mercadoria, o que importa é a realidade parcial para a construção do irreal – ideal na função consumo. Neste sentido que todas as forças mercadológicas agem: na transfiguração do real para o ideal. O real significa o belo, pois têm em si também as contradições do meio. O consumo falseia a realidade, a medida que concorre no caminho do desejável, no gosto objetivo da maioria.

A possibilidade da não abdicação dos hábitos de consumo já adquiridos no capitalismo urbano e possibilidade de fruição do prazer do belo, do novo e até do “natural”, que o turismo associadamente pode proporcionar, são as molas propulsoras dessa transformação1. E é justamente neste ponto que se efetivam as modificações no ambiente original. Os hábitos de consumo são transferidos para a região receptora a fim de atender a demanda dos turistas e acabam sendo, aos poucos, absorvidos pela comunidade local.

A cultura local, naturalmente não imune às transformações que traz o turismo e o consumo, vai aos poucos assimilando os novos hábitos. O contato com os novos hábitos de consumo e o bem-estar trazido com o avanço tecnológico, cria novas necessidades, que outrora não existiam2. Esse processo de absorção da cultura local pela cultura exógena ocorre unidirecionamente, no sentido da uniformização – tal como ocorre com a globalização. Inferir sobre culturas é algo difícil de ser feitos, ou mesmo incorreto, pois são valores diferentes, portanto medidas diferentes. Velhos hábitos e costumes são aos poucos abandonados, o contato intenso com o “exterior” cria novos padrões de comportamento, que encontram correspondência nas condições objetivas que aos poucos vão sendo inseridas. Uma resistência é cada vez mais difícil. Está criado então o impasse. A essência é substituída pela aparência, o conteúdo pela forma, o ritual pelo espetáculo, a produção pelo consumo e a historicidade pelo desenraizamento3.



A redução do Impacto e os mecanismos Institucionais


Tendo as forças do mercado uma ação desordenada – ordenada apenas
per si – no sentido do uso da paisagem natural e da cultura local, os únicos árbitros desse choque inevitável são as instituições governamentais com seus mecanismos legais de intervenção na gestão ambiental, do patrimônio histórico e de incentivo das práticas culturais. Porém as experiências ensinam que não apenas através dos incentivos oficiais esse impacto pode ser amenizado, mas também através das restrições legais. Pois só a partir destas é que se pode impor limites eficazes, seja à apropriação das áreas de grande beleza natural, garantindo o acesso coletivo e, ao mesmo tempo, sua preservação; seja ao avanço da especulação imobiliária, protegendo o patrimônio histórico-cultural, a harmonia das formas arquitetônicas originais, contendo o adensamento urbano, ou ainda criar mecanismos mais rígidos que inibam o uso indevido das populações locais – incentivadas pela mercantilização do turismo consumo – que tenham consequências ambientais. Nesse sentido, os atos administrativos normatizadores não devem prover apenas dos executivo e legislativos municipais, pois a estes, muitas vezes, o que interessa são os ganhos objetivos imediatos e, por outro lado, sua vinculação como poder local pode comprometer a eficácia, o aperfeiçoamento e aplicação das leis. São necessárias ações coordenadas dos órgãos públicos em nível nacional e federal, e que estas tenham uma participação efetivamente mais ativa nesse processo, a fim de minimizar o impacto do turismo.


Crer que as forças do mercado, com seu suposto poder regulador, possam, por si, favorecer o interesse da população local e, dado seu interesse econômico, preservar os atrativos locais, é uma grande ilusão. Às forças do mercado, quanto à apropriação da paisagem natural, ou do patrimônio histórico-cultural, só interessa a reprodução do capital. Adequa-se, portanto, o conteúdo à forma. A sua ação é, via de regra, descoordenada, resultando consequências degradantes. Exemplos para isso é o que não faltam.

Entendemos, por fim, que as restrições legais e os incentivos oficiais não bastam, são necessárias ações de reapropriação e revalorização da população local de sua cultura originária. Só a reafirmação da identidade da comunidade garante a sua conservação, a valorização das raízes, a preservação da memória. A consciência da importância das tradições e do legado cultural dos povos ancestrais garante a reapropriação e, ao dizer de Margarida Barreto, “a manutenção da cultura das ‘tribos”4.


Bibliografia


Adorno, Theodor W.

A Indústria Cultural “Grandes Cientistas Sociais”, Gabriel Cohn (org,), São Paulo, 1986, p.93-99.

Barreto, Margarida

Espaços Públicos: Usos e Abusos, in Turismo – Espaço, Paisagem e Cultura, Yásigi; Carlos, Cruz (orgs.), Hucitec, São Paulo, 1996, p.38-54.

Guattari, Félix

Práticas Ecosóficas – Restauração da Cidade Subjetiva, São Paulo, Tempo e Presença, 1994, p. 60.


Ribeiro, Ana Clara

Silva, Cátia Antonia da

Vieira, Hernani de Moraes

Silva, Rita de Cássia da

Turismo: Uma prática entre a Crise e a Inovação na Cidade do Rio de Janeiro, in Turismo – Espaço, Paisagem e Cultura, Yásigi; Carlos, Cruz (orgs.), Hucitec, São Paulo, 1996, p. 213-230.


Marcuse, Herbert

A Ideologia da Sociedade Industrial, Rio de janeiro, Zahar, 1967, p. 154.


1 Sobre isto, vale citar um trecho de Félix Guattari, em seu livro Práticas Ecosóficas – Restauração da Cidade Subjetiva: “Hoje tudo circula, as músicas, as modas, os slogans publicitários, as filiais multinacionais, porém parece que tudo fica no mesmo lugar, visto que as diferenças se esvanecem entre os estados de coisas manufaturadas e no âmago dos espaços estandardizados, onde tudo se torna intercambiável”. São Paulo, Tempo e Presença, 1994, p. 60.

2 Sobre isto, vale citar Marcuse: “Nesse universo, a tecnologia também garante a grande racionalização da não-liberdade do homem e demonstra a impossibilidade “técnica” de a criatura ser autônoma, de determinar a própria vida. Isso a liberdade não parece como política, mas antes uma submissão ao aparato técnico que amplia as comodidades da vida e a produtividade do trabalho(...)”, in A Ideologia da Sociedade Industrial, Rio de janeiro, Zahar, 1967, p. 154.

3 Ribeiro; Silva; Vieira; Silva; Turismo: Uma prática entre a Crise e a Inovação na Cidade do Rio de Janeiro, in Turismo – Espaço, Paisagem e Cultura, Yásigi; Carlos, Cruz (orgs.), Hucitec, São Paulo, 1996, p. 228.

4 Segundo esta autora, o valor cultural de um local é valorizado quando um grupo adota-o como depositário de sua memória coletiva, Espaços Públicos: Usos e Abusos, in Turismo – Espaço, Paisagem e Cultura, Yásigi; Carlos, Cruz (orgs.), Hucitec, São Paulo, 1996, p. 52.