TURISMO, CONSUMO E IMPACTO SOCIAL: ALGUMAS CONSIDERAÇÕES
(1996)
CELACC – Centro de Estudos Latino-Americanos de Cultura e Comunicação da Escola de Comunicação e Artes da
Universidade de São Paulo – ECA/USP
Relatório do CELACC
de 1996 para o Conselho Nacional de Pesquisa -
CNPq
http://www.
forum-global.de/bm/articles/impacturismo.html
Turismo, Consumo e Impacto Social: Algumas Considerações
Para
falarmos de turismo e o seu consequente impacto social
que provoca
nas localidades receptoras, passamos, fundamentalmente
pelo elemento
consumo.
O consumo não se dá apenas ao nível do estímulo
capitalista da
exploração local das necessidades materiais
aquisitivas do turista,
mas, mais além disso, do consumo
da paisagem,
este sim como pano de fundo e veículo das
transformações mais
profundas que ali se realizarão.
É
a paisagem natural que atrai o turista, ou mesmo a
paisagem
transformada pelo homem – quando as marcas expressas
de sua
intervenção remetem ao belo, ao interessante, ao
histórico. É o
prazer de conhecer, é o prazer de sentir, é o prazer
de estar, é o
“novo” que atrai o turista. Vale dizer, porém, que essas forças não operam de maneira coordenada e não se encontra no mercado fim algum para conservação da paisagem. O mercado opera em função dos agentes econômicos, do fluxo de capitais. A paisagem é então consumida tal como uma mercadoria – salvo uma intervenção governamental – e tem seus elementos transformados e remodelados de maneira desordenada. Cabe, portanto, a nós, investigar quais são as conseqüências objetivas dessas transformações, bem como quais são seus conseqüentes impactos sociais.
Turismo e Impacto Social
Na estética do consumo turístico, a pobreza é algo indesejável, tal como tudo que é feio, sujo ou que se afasta do desejável. A realidade local não importa quanto à constituição da mercadoria, o que importa é a realidade parcial para a construção do irreal – ideal na função consumo. Neste sentido que todas as forças mercadológicas agem: na transfiguração do real para o ideal. O real significa o belo, pois têm em si também as contradições do meio. O consumo falseia a realidade, a medida que concorre no caminho do desejável, no gosto objetivo da maioria. A possibilidade da não abdicação dos hábitos de consumo já adquiridos no capitalismo urbano e possibilidade de fruição do prazer do belo, do novo e até do “natural”, que o turismo associadamente pode proporcionar, são as molas propulsoras dessa transformação1. E é justamente neste ponto que se efetivam as modificações no ambiente original. Os hábitos de consumo são transferidos para a região receptora a fim de atender a demanda dos turistas e acabam sendo, aos poucos, absorvidos pela comunidade local. A cultura local, naturalmente não imune às transformações que traz o turismo e o consumo, vai aos poucos assimilando os novos hábitos. O contato com os novos hábitos de consumo e o bem-estar trazido com o avanço tecnológico, cria novas necessidades, que outrora não existiam2. Esse processo de absorção da cultura local pela cultura exógena ocorre unidirecionamente, no sentido da uniformização – tal como ocorre com a globalização. Inferir sobre culturas é algo difícil de ser feitos, ou mesmo incorreto, pois são valores diferentes, portanto medidas diferentes. Velhos hábitos e costumes são aos poucos abandonados, o contato intenso com o “exterior” cria novos padrões de comportamento, que encontram correspondência nas condições objetivas que aos poucos vão sendo inseridas. Uma resistência é cada vez mais difícil. Está criado então o impasse. A essência é substituída pela aparência, o conteúdo pela forma, o ritual pelo espetáculo, a produção pelo consumo e a historicidade pelo desenraizamento3.
A redução do Impacto e os mecanismos Institucionais
Entendemos,
por fim, que as restrições legais e os incentivos
oficiais não
bastam, são necessárias ações de reapropriação e
revalorização
da população local de sua cultura originária. Só a
reafirmação
da identidade da comunidade garante a sua
conservação, a
valorização das raízes, a preservação da memória. A
consciência
da importância das tradições e do legado cultural
dos povos
ancestrais garante a reapropriação e, ao dizer de
Margarida
Barreto, “a manutenção da cultura das ‘tribos”4.
Bibliografia
Adorno, Theodor W. A Indústria Cultural “Grandes Cientistas Sociais”, Gabriel Cohn (org,), São Paulo, 1986, p.93-99. Barreto, Margarida Espaços Públicos: Usos e Abusos, in Turismo – Espaço, Paisagem e Cultura, Yásigi; Carlos, Cruz (orgs.), Hucitec, São Paulo, 1996, p.38-54. Guattari, Félix Práticas Ecosóficas – Restauração da Cidade Subjetiva, São Paulo, Tempo e Presença, 1994, p. 60.
Ribeiro, Ana Clara Silva, Cátia Antonia da Vieira, Hernani de Moraes Silva, Rita de Cássia da Turismo: Uma prática entre a Crise e a Inovação na Cidade do Rio de Janeiro, in Turismo – Espaço, Paisagem e Cultura, Yásigi; Carlos, Cruz (orgs.), Hucitec, São Paulo, 1996, p. 213-230.
Marcuse, Herbert A Ideologia da Sociedade Industrial, Rio de janeiro, Zahar, 1967, p. 154.
1 Sobre isto, vale citar um trecho de Félix Guattari, em seu livro Práticas Ecosóficas – Restauração da Cidade Subjetiva: “Hoje tudo circula, as músicas, as modas, os slogans publicitários, as filiais multinacionais, porém parece que tudo fica no mesmo lugar, visto que as diferenças se esvanecem entre os estados de coisas manufaturadas e no âmago dos espaços estandardizados, onde tudo se torna intercambiável”. São Paulo, Tempo e Presença, 1994, p. 60. 2 Sobre isto, vale citar Marcuse: “Nesse universo, a tecnologia também garante a grande racionalização da não-liberdade do homem e demonstra a impossibilidade “técnica” de a criatura ser autônoma, de determinar a própria vida. Isso a liberdade não parece como política, mas antes uma submissão ao aparato técnico que amplia as comodidades da vida e a produtividade do trabalho(...)”, in A Ideologia da Sociedade Industrial, Rio de janeiro, Zahar, 1967, p. 154. 3 Ribeiro; Silva; Vieira; Silva; Turismo: Uma prática entre a Crise e a Inovação na Cidade do Rio de Janeiro, in Turismo – Espaço, Paisagem e Cultura, Yásigi; Carlos, Cruz (orgs.), Hucitec, São Paulo, 1996, p. 228. 4 Segundo esta autora, o valor cultural de um
local é valorizado quando um grupo adota-o como
depositário de sua memória coletiva, Espaços Públicos: Usos e Abusos, in
Turismo – Espaço, Paisagem e Cultura, Yásigi; Carlos, Cruz (orgs.), Hucitec,
São Paulo, 1996, p. 52.
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