Difusão do conhecimento e inovação
- o Acesso Aberto a publicações científicas

Jorge Alberto S. Machado
Gestão de Políticas Públicas
EACH/USP
machado at usp br

Publicado em :
Baumgarten, M. (Ed.) Conhecimento e Redes - Sociedade Política e Inovação.
Porto Alegre: Ed. UFRGS, 2005. ISBN 85-7025-827-5

Resumo

Nos últimos anos, os paradigmas de produção intelectual, cultural e artística vêm sendo incisivamente contestados pela apropriação e novos usos dados pelos usuários às tecnologias de informação e comunicação, o que tem levado à necessidade de uma revisão dos padrões convencionalmente aceitos. No meio acadêmico, um dos reflexos dessa mudança é o movimento pela disponibilização gratuita e sem quaisquer restrições da produção científica na Internet, conhecido como Open Access (“Acesso Aberto”). No entanto, apesar das evidentes vantagens no que se refere à facilidade de acesso, baixos custos e possibilidade de ampla difusão de resultados de pesquisa, há uma série de dificuldades à adesão da comunidade científica e à expansão das publicações digitais. A maior parte dos obstáculos decorre em função de práticas culturais arraigadas, insuficiência de informação e falta de padrões de referência.

Palavras-chave: acesso aberto, sociedade do conhecimento, políticas públicas, redes, educação


Introdução

Nos últimos anos, o acesso aberto a publicações científicas tem ganhado significativas adesões de organizações locais e internacionais. Os recentes apoios das Nações Unidas, através da Cúpula da Sociedade da Informação, da Federação Internacional da Associação de Bibliotecas (IFLA), da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE) e das academias de ciências do mundo inteiro através do InterAcademy Panel (IAP), devem ser decisivos para que a comunidade acadêmica comece a se posicionar sobre a questão. A campanha de convencimento e estímulo à publicação digital tem sido feita pelo movimento Open Access, que reúne uma rede internacional de acadêmicos, bibliotecários, publishers, organizações científicas e universidades.

Por “acesso aberto” à literatura, deve-se entender a disposição livre e pública na Internet, de forma a permitir a qualquer usuário a leitura, download, cópia, impressão, distribuição, busca ou o link com o conteúdo completo de artigos, bem como a indexação ou o uso para qualquer outro propósito legal. No entendimento das organizações que apóiam o acesso aberto, não deve haver barreiras financeiras, legais e técnicas outras que não aquelas necessárias para a conexão da Internet. O único constrangimento para a reprodução, distribuição deve ser o controle do autor sobre a integridade de seu trabalho e o direito de sua propriedade intelectual e devida citação. 

A idéia do acesso aberto é irmã de uma de outras iniciativas, como o licenciamento do tipo creative commons1 (criatividade comum), que envolve principalmente as publicações com base em suporte digitais disponíveis na Internet, e o software livre. A primeira tem ganhado força, por ser, ao mesmo tempo, um grande estímulo e uma solução para o problema da disposição pública e global de bens culturais diversos (textos, música, vídeo, etc.). Já o software livre se notabiliza por alimentar grandes cadeias de inovação, estimulando a criatividade de milhões de desenvolvedores e comunidade de usuários. Essas iniciativas estão relacionadas entre si, pois emergem de um contexto em que a informação e, principalmente, o conhecimento são tanto insumos como produtos cada vez mais importantes para a produção cultural, econômica, artística, intelectual e, assim, para o desenvolvimento econômico e social. Por essa razão, é importante estejam acessíveis e disponíveis para a maior parte dos cidadãos.

Nesse texto, pretendemos descrever os principais problemas para a expansão do acesso aberto, as estratégias do movimento, os interesses em conflito, as políticas internacionais de apoio e sua relação com aquilo que parece ser um novo paradigma da difusão e construção do conhecimento: o compartilhamento através das redes de criação e inovação.


O Contexto

Nos últimos anos, os paradigmas de produção intelectual, cultural e artística vêm sendo incisivamente contestados pela apropriação e novos usos dados pelos usuários às tecnologias de informação e comunicação, o que tem levado à necessidade de uma revisão dos padrões convencionalmente aceitos.

O compartilhamento do conhecimento tem sido a base da inovação e da produção de novos conhecimentos. As modernas tecnologias de informação e comunicação proporcionam ferramentas inovadoras para o intercâmbio de conhecimento a nível global e em tempo real. Nos últimos anos, programas peer-to-peer (P2P), como eMule, Gnutella, eDonkey, BitTorrent e outros tantos permitiram que de conteúdos compartilhados nos servidores a rede se estendesse, desde a base dos 340 milhões de computadores ligados à rede2 (junho de 2005) para os computadores pessoais dos usuários da rede, ou seja, estendendo o intercâmbio de conteúdo para outras 910 a 940 milhões de máquinas em uso (eTForecast, 2005). Trata-se de uma quantidade gigantesca de informação que flui de forma descentralizada e frenética pela rede. Consolida-se cada vez mais uma cultura do compartilhamento, baseada principalmente nas comunidades de interesses e, cada vez mais, na troca entre particulares – nas redes do tipo P2P.

Livros, músicas, softwares, filmes, imagens se disseminam rapidamente pela rede. Uma vez disponível na Internet, o proprietário da obra não tem mais como evitar sua disseminação. Numa dinâmica de redes, qualquer restrição de acesso é vista como uma anomalia que deve ser “contornada”. Qualquer obra humana que possa ser convertida em bits pode ser reproduzida indeterminadas vezes e facilmente distribuída. Nesse sentido, a dinâmica da Internet é propicia para acabar com a propriedade do conhecimento. Nesse contexto, faz cada vez mais sentido falar em vender o suporte, do que a informação. No caso de literatura, tende-se a pagar apenas pelos “átomos” – como diria Negroponte (1995). Apesar das ameaças de editores, indústrias e dos oligopólios da comunicação, no âmbito digital, observa-se o prevalecimento de uma desobediente comunhão de bens culturais, técnicos e científicos considerados “públicos”.

Num passado recente, as editoras, assim como as gravadoras, tinham a função de fazer o conhecimento chegar ao cidadão / consumidor. Essa mediação era necessária, pois envolvia um complexo sistema de produção, distribuição, logística, planejamento e também custos de estocagem, além das parcelas de participação dos varejistas e intermediários. Hoje, as tecnologias de informação e comunicação quebraram essa cadeia que havia entre o produtor / autor e o consumidor. Os setores afetados pela cultura do compartilhamento precisam rever seus papéis econômicos. À industria editorial e do entretenimento resta cada vez mais a possibilidade de vender o “suporte” da informação, dado que nada é melhor que um livro bem impresso e encadernado para carregar a qualquer lugar. O mesmo se pode dizer com um CD ou DVD com arte de capa, letras de música e informações sobre o autor e a obra. Em todo caso, a outra opção seria banir a liberdade e a privacidade das pessoas na rede, de forma a controlar o fluxo de informação e banir a cópia ilegal de bits.

Há um amplo horizonte de conflitos de difícil solução pela frente. No caso da literatura acadêmica, a questão é, evidentemente, bem mais simples do que a que afeta a indústria do entretenimento ou a do software. Simplesmente, porque o acadêmico vive da difusão de sua obra e do impacto dela. Raros são os que realmente ganham algum dinheiro das editoras. Estas, sim ganham às custas da necessidade do acadêmico em divulgar seu trabalho. Como o “atravessador”, as editoras se colocam entre o autor e o leitor, vendendo para o público a produção dos acadêmicos – com o agravante que, freqüentemente, não pagam um único centavo a este. Em geral, pesquisas que custaram dezenas ou centenas de milhares de dólares financiados pelos contribuintes podem ter seus direitos entregues de forma praticamente gratuita para uma editora publicar não mais que mil exemplares – e muitas vezes estas ainda cobram do autor. Alguns são impressos uma única vez. Além disso, uma editora pode fechar, vender os direitos ou simplesmente perder o interesse na obra – mesmo assim, retendo os direitos.


Ciência e Compartilhamento


O pesquisador precisa ter acesso ao conhecimento científico em sua área, já que, a informação e conhecimento são insumos básicos no processo de trabalho científico e intelectual. Nesse sentido, o pesquisador é como hacker, na concepção correta3 do termo. Ele tem grande necessidade de compartilhar, de permitir acessar e ter acesso à informação científica para poder descobrir, criar e inovar.

Interessa a toda a sociedade o acesso aberto ao conhecimento. Seja o excluído digital, ao estudante carente, o pesquisador de uma pequena faculdade ou o morador das dezenas de milhares de cidades latino-americanas que não possuem ao menos uma livraria, não ter acesso à informação e ao conhecimento que dela deriva pode significar a exclusão de muitos dos processos sociais, políticos, econômicos e culturais em curso. O compartilhamento, mais que uma alternativa, é uma necessidade. É uma prática que contribui severamente para evitar o aprofundamento das desigualdades ligadas ao acesso desigual a bens culturais.


O compartilhamento na academia

No meio acadêmico, um dos reflexos dessa mudança é o movimento pela disponibilização gratuita e sem quaisquer restrições da produção científica na Internet. Num cenário de escassez de recursos, custos elevados para manter e atualizar grandes bibliotecas, dificuldade em manter um número elevado de assinaturas e poucos exemplares de obras para muitos leitores – que, ademais, devem ter acesso físico a ela –, o acesso aberto através da rede deveria ser uma excelente solução. Afinal, falamos de facilidade de acesso, baixos custos editoriais e da possibilidade de difusão e intercâmbio de resultados de pesquisa a um público incomparavelmente maior. No entanto, por várias razões, não é bem isso que ocorre.

Apesar do acesso aberto ser de interesse da comunidade acadêmica, há uma série de problemas para uma maior adesão. Estes se relacionam principalmente à falta de informação sobre seu funcionamento, à falta de apoio institucional, à ausência de uma cultura de compartilhamento por meios digitais entre amplos setores da comunidade acadêmica – especialmente nas ciências humanas e biológicas –, e à falta de uma política institucional que fomente as publicações digitais e o auto-arquivamento. A desinformação dos acadêmicos com relação a temas ligados a propriedade intelectual, direitos autorais e direitos de reprodução, impressão, cópia e distribuição é outro problema. Há também o medo de plágio – mesmo sendo muito mais fácil encontrar e combater o plágio no suporte digital por meio dos softwares.

Há que destacar também a falta de incentivo para se publicar em meios digitais por falta de aceitação científica. A título de exemplo, no Brasil, nas ciências sociais, a avaliação oficial de periódicos digitais tinha a pior qualificação de impacto (“local C”). Em outras disciplinas, as publicações digitais simplesmente nem são consideradas, como se a Internet não existisse. Trata de um antagonismo lamentável que atrasa a adesão da comunidade acadêmica as publicações digitais, com seu alcance, difusão, impacto e dinamismo editorial incomparavelmente maiores que um periódico impresso com seiscentos ou mil exemplares.


Acesso Aberto versus Acesso Restrito ou por suporte de papel

Uma reveladora pesquisa feita a partir das citações aos artigos indexados pelo Institute for Scientific Information (ISI), mostrou o diferente impacto entre os aqueles em periódicos de acesso restrito e os de acesso aberto (Brody, 2004). A base do ISI analisada cobre os principais jornais em todos os campos científicos entre os anos de 1992 ao ano de 2003 (tabela a seguir).


Comparação de Impacto: Acesso Restrito versus Acesso Aberto

Área

% Artigos de Acesso Aberto

% Vantagem Acesso Aberto



Número de artigos Acesso Aberto / total


Citações Acesso Aberto /Acesso Restrito

Biologia

<1%

4.117/640.100

49%

8.11/5.13

Biomédica

<1%

8.106/1.345.207

218%

34.07/13.47

Química

<1%

2.506/1.039.817

136%

16.16/6.44

Medicina Clínica

<1%

2.914/3.413.447

193%

25.69/7.19

Terra e Espaço

5.8%

24.668/37.2413

217%

22.3/7.77

Engenharia e Tecnologia

<1%

2.649/643.314

47%

4.06/2.95

Física

10.1%

106.040/930.059

134%

13.95/6.16

Matemática

4.3%

6.656/135.012

66%

4.7/2.76

Psicologia

2.1%

1.120/49.865

84%

9.24/5.81

Administração

<1%

286/68.070

243%

4.54/1.04

Antropologia & Sociologia

<1%

238/65.496

852%

5.32/0.55

Comunicação

<1%

39/14.334

136%

2.78/1.24

Economia

<1%

365/49.027

391%

6.4/1.41

Educação

<1%

101/42.250

291%

3.66/0.81

Geografia, Urbanismo e Desenvolvimento

<1%

179/57.287

181%

1.8/0.54

História

<1%

108/191.679

1016%

1.5/0.12

Letras & Lingüística

<1%

80/31.424

1236%

7.87/0.53

Psicologia & Psiquiatria

<1%

881/176.586

321%

8.36/1.73

Fonte: Elaborado pelo autor a partir com base nos dados de Brody (2004)


Conforme se pode observar na tabela, o impacto é substancialmente maior entre os artigos publicados em periódicos de acesso aberto. Pode se observar isso mesmo nas áreas onde a participação desse grupo no total não é tão minoritária, como na Física e na Matemática. Em áreas onde há notória resistência ao uso de bases digitais de acesso aberto, como Antropologia, Sociologia, História, Letras e Lingüística, a diferença de impacto está entre os 852 e 1236%. No estudo de Brody, há um detalhamento por subáreas que mostra em todas as áreas do conhecimento há especialidades onde as diferenças de impacto ultrapassam os 1000%.

Conclusões semelhantes chegaram Lawrence (2001), que analisou o impacto de mais 112 mil artigos relacionados com Ciência da Computação, e Hajjem (2004a e 2004b), que fez comparações nas áreas de Sociologia, Antropologia e Biologia a partir da base de dados da ISI. No caso da Sociologia, a equipe de Hajjen analisou 117.909 artigos publicados entre 1992 e 2003, com um impacto superior anual dos artigos em periódicos de acesso aberto entre 150-250%. Entre os 964 periódicos pesquisados na área de Biologia, a superioridade do acesso aberto oscilou, no mesmo período, entre os 110 e 130%.

Outros estudos demonstraram o maior impacto dos artigos publicados em periódicos de acesso aberto em áreas como Astrofísica (Schwarz & Kennicutt Jr, 2004; Kurtz, Eichhorn, Accomazzi et al., 2004), Medicina (Murali, Auethavekiat et. al., 2004, pesquisa em 324 jornais) e outras diversas (McVeigh, 2004; Harnad & Brody, 2004).

Até o momento, não houve contestação desses dados. Não se conhece a existência de pesquisa que tenha mostrado resultados favoráveis de impacto para os periódicos apenas impressos ou on-line de acesso pago.


O desenvolvimento das publicações digitais de acesso aberto

A considerar por seus “embriões”, o desenvolvimento do acesso aberto a conteúdos digitais através da rede confunde-se com a própria história da Internet, que foi criada com o objetivo de compartilhar recursos computacionais e informacionais entre os centros de pesquisas envolvidos.

A primeira iniciativa de criar um banco de dados de bibliografia eletrônica de acesso aberto foi do Educational Resources Information Center (ERIC - http://www.eric.ed.gov), em 1966. No mesmo ano, foi criado o Medline (http://medline.cos.com), um banco de dados on-line de livre acesso com citações bibliográficas de periódicos da área de biomédica, que hoje possui mais de 80 milhões de artigos de mais de 7.300 periódicos. Em 1971, foi criado o Projeto Gutenberg (http://promo.net/pg), por Michel Hart, cuja premissa era “qualquer coisa que pode ser introduzida no computador pode ser reproduzida indefinitivamente”. O objetivo era disponibilizar publicamente livros que pudessem ser lidos ou impressos a partir do maior número de computadores e programas (Project Gutenberg, 2005). Em 1974, o Stanford Linear Accelerator Center (SLAC) (http://www.slac.stanford.edu) e o Deutsches Elektronen Synchrotron (http://www.desy.de) começam a catalogar literatura eletrônica na área de Física.

Mas, foi na década de noventa, com a expansão mundial da Internet, que começaram a se proliferar os bancos de dados de artigos científicos de livre acesso. Em 1991, surgiu o repositório de papers de Física, Matemática e Ciência da computação ArXiv (http://arxiv.org). Em 1992, foi criado o banco de dados de pesquisa genética Genbank (http://www.ncbi.nlm.nih.gov/Genbank). Em 1996, sob os auspícios da Universidade de Virgínia, surgiu a Networked Digital Library of Theses and Dissertations (NDLTD) (http://www.ndltd.org), que é hoje o maior banco de teses e dissertações do mundo. Em março de 1997, o BIREME - Centro Latino-Americano e do Caribe de Informação em Ciências da Saúde –, com apoio da FAFESP, criaram a base de periódicos SciELO (Scientific Electronic Library Online) (http://www.scielo.org). Nos anos seguintes surgiram os portais PubMed (http://www.pubmed.org) e o BioMed Central (http://www.biomedcentral.com). Em 2001, foi lançado o PloS (Public Library of Science), (http://www.plos.org/index.html), que logo se tornaria uma referência nas áreas de biologia, e medicina.

Há também os repositórios científicos. A criação deles ajuda a atender os objetivos do movimento acesso aberto, já que permite a disponibilização de artigos, papers e documentação de pesquisa produzidos nas universidades e centros de investigação – alguns destes, publicados em revistas de acesso restrito ou mediante pagamento. Exemplos de repositórios são o California Digital Library, da Universidade da California (http://repositories.cdlib.org), o Papyrus, da Universidade de Montreal (https://papyrus.bib.umontreal.ca), e o E-Prints Soton, da Universidade de Southampton (http://eprints.soton.ac.uk). Cabe aqui citar o projeto SHERPA – Securing a Hybrid Environment for Research Preservation and Access (http://www.sherpa.ac.uk). Resultado de um consórcio que reúne vinte bibliotecas universitárias britânicas, este visa estabelecer repositórios nas instituições participantes.

Open Access, Repositórios e Software Livre

A criação de repositório de artigos, papers, livros, vídeos e imagens tem sido uma tendência das grandes e modernas universidades. Mais que uma necessidade interna de promover resultados de sua pesquisa científica e a produção cultural, é também uma forma de empregar a tecnologia para promover uma melhor disseminação e intercâmbio com acesso facilitado e baixo custo.

Um repositório institucional pode ser definido como “um conjunto de serviços que uma universidade oferece aos membros de sua comunidade para a gerência e a disseminação dos materiais digitais criados pela instituição (...)” (Lynch, 2003). O repositório é também uma garantia para a organização, o acesso, a distribuição e a preservação a longo prazo, do conhecimento produzido nas universidades e centros de pesquisa em suportes digitais.

Repositórios e arquivos de acesso aberto têm sido criados no mundo todo. A maioria usa software livre em seus projetos (Drake, 2004). Alguns dos softwares mais usados são o GNU EPrints (http://software.eprints.org), desenvolvido pela Universidade de Southampton, e o Dspace (http://www.dspace.org), do Massachusetts Institute of Technology (MIT). Este último tem sido melhorado por uma rede de instituições que o utilizam: as universidades de Cambridge, Columbia, Cornell, Ohio State, Rochester, Toronto e Washington.


Outras iniciativas


Um exemplo de produto concebido dentro dos princípios do acesso aberto é o projeto Open Course Ware (OCW). Trata-se de um projeto de compartilhamento que permite acessar livremente pela Internet programas, notas de aula, avaliações e bibliografia de cerca de 1.000 cursos ministrados no MIT. Sua meta é incluir, até 2008, os dois mil cursos existentes no Massachusetts Institute of Technology (OCW, 2005).

Surgido a partir da First Nordic Conference on Scholarly Communication, realizada em 2002, e mantido pela Universidade de Lund, da Suécia, o Directory of Open Access Journals tem como objetivo “incrementar a visibilidade e a facilidade de uso das publicações acadêmicas e científicas através da promoção de sua difusão e impacto” (DOAJ, 2005). Esse diretório oferece livre acesso a 1.551 periódicos de todas as áreas do conhecimento.

Na América Latina, existe a RedAlyC – Rede de Revistas Científicas da América Latina, Caribe, Espanha e Portugal, que reúne 164 publicações eletrônicas (RedAlyC, 2005) e o Scielo, já citado, que reúne cerca de 200 periódicos. Este último não possui compromisso com o movimento acesso aberto, mas sua expansão chamou a atenção dos editores de periódicos do Brasil para a as vantagens da publicação na Internet.

Há ainda muitas iniciativas locais de universidades, governos e empresas de digitalizar e criar repositórios de documentos históricos, livros, filmes, partituras de músicas, fotografias e obras de arte de domínio público. Recentemente, o Google anunciou a digitação de 15 milhões de livros, manuscritos e outros documentos das universidades de Harvard, Michigan e Oxford. Trata-se da maior iniciativa proveniente do meio empresarial já anunciada nesse sentido. Há outras iniciativas de grande porte que pretendem digitalizar e disponibilizar na Internet milhões de livros, documentos, fotografias e imagens. São os casos da National Digital Library of China Project, do Ministério da Cultura da China (Liu, 2004) e da American Memory, dos EUA (The Library of Congress, 2005).


Respaldo Internacional

Nos últimos anos, convenções, fóruns e congressos internacionais têm referendado o acesso aberto. Um exemplo é a “Declaração de Princípios da Cúpula da Sociedade da Informação”, promovida pelas Nações Unidas, em 12 de dezembro de 2003. No texto, reconhece-se que as tecnologias da informação e comunicação (TIC) oferecem oportunidades “sem precedentes para atingir níveis mais elevados de desenvolvimento. A capacidade das TIC para reduzir muitos obstáculos tradicionais, especialmente o tempo e a distância, possibilitam, pela primeira vez na história, o uso do potencial destas tecnologias em benefício de milhões de pessoas em todo mundo” (Nações Unidas, 2004: §8). A declaração afirma, mais adiante, sobre “a necessidade do esforço em promover o acesso universal, com as mesmas oportunidades para todos, ao conhecimento científico e a criação e divulgação de informação científica e técnica, com inclusão das iniciativas de acesso aberto para as publicações científicas (...).” (Nações Unidas, 2004: §28).

Uma das principais referências4 para o acesso aberto é a “Declaração de Berlim”, de 22 de outubro de 2003. Ela foi elaborada e firmada pelas organizações Scholarly Publishing and Academic Resources Coalition (SPARC), Open Society Institute, Electronic Society for Social Scientists, Public Library of Science, Bioline International, BioMed Central e representantes de diversas universidades convocadas pelo Max Plank Institute, de Berlim. Neste documento, reconhece-se que “a rede oferece a oportunidade de construir uma representação global e interativa do conhecimento humano, incluindo o patrimônio cultural e a perspectiva de acesso em escala mundial (...), convertendo-se em meio funcional emergente para a distribuição do conhecimento.” Essa declaração estabeleceu algumas das bases para movimento Acesso Aberto5:

É necessário apoiar novas formas de difusão do conhecimento. Não só através da maneira clássica, senão também utilizando o paradigma do acesso aberto por meio da Internet. Definimos o acesso aberto como uma ampla fonte de conhecimento humano e patrimônio cultural aprovada pela comunidade científica.”

Para estabelecer o acesso aberto como um procedimento meritório, requer-se idealmente o compromisso ativo de todos e de cada um daqueles que produzem conhecimento científico e mantêm o patrimônio cultural. As contribuições do acesso aberto incluem os resultados da investigação científica original, dados primários e meta-dados, materiais fontes, representações digitais de materiais gráficos e pictóricos, e materiais eruditos em multimídia.” (Declaração de Berlin, 2004)


A este documento vieram a se somar, nos meses seguintes, o IAP Statement on Access to Scientific Information, promovido por 70 academias de ciências, inclusive a Brasileira, de 4 de dezembro de 2003; a Declaration on Access to Research Data From Public Funding, sob os auspícios da OCDE, de 30 de janeiro de 2004; o Statement on Open Access to Scholarly Literature and Research Documentation, da Federação Internacional de Associações de Bibliotecas (IFLA), em fevereiro de 2004; e, mais recentemente, a Declaración de Buenos Aires, como resultado do I Fórum Social de Información, Documentación y Bibliotecas, realizado em agosto de 2004, na capital argentina.

Reconhecendo as vantagens do acesso aberto em relação aos modelos convencionais de negócios envolvendo a difusão de publicações científicas, as academias de ciência de todo o mundo, através do IAP Statement on Access to Scientific Information, recomendam:

1. O acesso eletrônico ao conteúdo do periódico seja globalmente disponível e sem custos o mais breve possível, dentro de um ano ou de menos da publicação para os cientistas das nações industrializadas e imediatamente após a publicação para os cientistas dos países em desenvolvimento;

2. O conteúdo do periódico, e se possível, os dados em que a pesquisa é baseada, deve ser apresentado em um formato padrão para a distribuição, de modo a facilitar a utilização;

3. O conteúdo do jornal deve ser arquivado coletivamente, seja por organizações privadas ou governamentais;

4. Os governos e editores devem trabalhar juntos para despertar a consciência da comunidade científica sobre a disponibilidade do livre acesso eletrônico aos periódicos científicos;

5. As bases de dados científicas obtidas por organizações intergovernamentais (por exemplo, em meteorologia e epidemiologia) devem ser disponibilizadas sem custos ou restrições de reuso.” (IAP, 2003)


A respeito das facilidades de acesso a publicações científicas, a Declaration on Access to Research Data From Public Funding, firmada pelos países-membro da OCDE, reconhece que:


O documento produzido sob os auspícios da Federação Internacional de Associações de Bibliotecas, o Statement on Open Access to Scholarly Literature and Research Documentation estabelece:

Um vasto acesso aberto à literatura acadêmica e à documentação de pesquisa é vital à compreensão de nosso mundo e à identificação de soluções aos desafios globais e particularmente à redução da desigualdade de acesso à informação.

O acesso aberto garante a integridade do sistema de uma comunicação acadêmica por assegurar que todos os resultados de pesquisa estejam disponíveis permanentemente para o irrestrito exame e, quando relevantes, elaboração ou refutação.

A IFLA reconhece os importantes papéis desempenhados por todos os envolvidos no registro e disseminação da pesquisa, incluindo autores, editores, publishers, bibliotecas e instituições, e advoga a adoção dos seguintes princípios abertos do acesso a fim de assegurar a maior disponibilidade possível à literatura acadêmica e documentação de pesquisa:

1. O reconhecimento e a defesa dos direitos autorais, em especial dos direitos de atribuição e integridade da obra.

2. A adoção dos processos eficazes da revisão por pares para assegurar a qualidade da literatura acadêmica na modalidade da publicação.

3. Oposição à censura governamental, comercial ou institucional das publicações que derivadas da pesquisas e bolsas.

4. A passagem ao domínio público de toda a literatura acadêmica e documentos de pesquisa após a expiração do copyright determinado pela lei, cujo período deve ser limitado a um tempo razoável, e enquanto isso, as justas provisões para o uso, livres de restrições tecnológicas ou outros constrangimentos, para assegurar o acesso imediato por investigadores e público geral durante o período de proteção.

5. A implementação de medidas para superar a desigualdade de acesso à informação, permitindo a publicação de literatura acadêmica de qualidade assegurada e a documentação de pesquisa por investigadores e acadêmicos, além de assegurar o acesso efetivo aos cidadãos dos países em desenvolvimento e a todos que têm dificuldades, inclusive os deficientes.

6. Apoio a iniciativas colaborativas para o desenvolvimento de modelos de publicação do acesso aberto sustentáveis, facilidades e outros incentivos, como a remoção de obstáculos contratuais para que os autores possam disponibilizar, sem encargos, literatura acadêmica e documentação de pesquisa.

7. A Execução dos mecanismos legais, contratuais e técnicos para assegurar a preservação e a disponibilidade perpétua, usabilidade e autenticidade de toda a literatura acadêmica e documentação de pesquisa.” (IFLA, 2003)


Por uma formulação de Políticas Públicas para a Produção de Conteúdos Digitais de Acesso Aberto

Apesar do apoio alcançado em cúpulas internacionais, no Brasil ainda são tímidas as medidas para facilitar o acesso à produção científica. Em geral, proliferam-se as ações isoladas, como a promoção de banco de teses ou a disponibilização de material didático e artigos por alguns professores em sites pessoais ou de sua faculdade. No entanto, faltam medidas efetivas e sistemáticas para se aumentar o nível de informação e criar um ambiente favorável à realização de uma discussão mais aprofundada.

O movimento acesso aberto desenvolve uma campanha de conscientização junto a comunidade acadêmica. Há um elenco de medidas estratégicas para nortear a ação de atores específicos, como organismos de fomento, instituições universitárias, editores e autores, de modo a incentivar tanto a participação, como o desenvolvimento de políticas institucionais adequadas. Também existem ações no que se refere à definição de padrões de qualidade e à implementação de sistemas de gestão – softwares para facilitar a indexação e normatização dos textos, procedimentos editoriais, orientação sobre aspectos jurídicos e legais, etc.

No quadro abaixo, apresentamos um resumo das estratégias e medidas sugeridas pelo movimento Acesso Aberto internacional:

“Difusão do conhecimento e inovação: propostas para a formulaçã

Estratégias e orientações do movimento de acesso aberto a cientistas, universidades,
bibliotecas, editores, agências de fomento, governos e cidadãos

Cientistas, estudiosos e pesquisadores


I. Auto-arquivamento de papers. Estimular à criação de um repositório de arquivos.
II. Publicar em periódicos e revistas comprometidos com o acesso aberto – ou criar um, se não houver na área.
III. Convencer os autores a oferecer acesso aberto aos seus conteúdos. Usar isso como condição para continuar a ser editor ou parecerista de periódicos.
IV. O comprometimento do investigador com o acesso aberto deve chegar às associações profissionais e entidades de classe a qual pertence. O mesmo vale aos comitês, comissões e quadros de governo.
V. Publicidade. Se o acadêmico rejeitar ser editor ou revisor de um periódico por causa de suas políticas restritivas de acesso, deve informar publicamente as razões. Sugere-se escrever uma carta aberta para que seus colegas saibam. É recomendável emitir opiniões sobre o apoio ao acesso aberto em qualquer fórum que possa aceitá-las, principalmente os periódicos acadêmicos que publicam cartas ao editor.
VI. Divulgar em seu site ou outros meios um índice, database ou lista dos periódicos abertos, arquivos e repositórios da web referentes a sua área de atuação.
VII. Caso precise publicar num periódico com políticas restritivas de acesso. O autor deve pedir para reter os direitos de cópia de seu trabalho e oferecer em contrapartida o direito a primeira publicação eletrônica. Se o periódico não concordar, deve pedir pelo menos o direito de arquivar seu trabalho em um repositório.

Universidades e centros de pesquisas

I. Criar um repositório institucional de arquivos de acesso aberto.
II. Estimular e oferecer ajuda aos colegas a depositar todo seu trabalho.
III. Conscientizar sobre o impacto e da visibilidade dada à pesquisa produzida na instituição,

IV. Oferecer o apoio a autores para a publicação em periódicos abertos.
V. Apoiar iniciativas de pesquisadores da instituição no lançamento de novos periódicos on-line através do uso de sua rede de servidores e dos funcionários.

VI. Adotar uma política de promoção que dê peso à revisão por pares de publicações digitais.
VII. Anunciar aos funcionários e candidatos a vagas de docentes sobre tal política.

Bibliotecas


I. Oferecer para manter um arquivo digital junto a sua instituição, digitalizando, se necessário, e ensinando professores e pesquisadores sobre como arquivar seus trabalhos.

II. Ajudar a abrir periódicos de acesso aberto em sua instituição e em torná-los conhecidos em outras bibliotecas, serviços de indexação, leitores potenciais e financiadores.

III. Participar de um consórcio de bibliotecas - como o SPARC - para multiplicar seus esforços e publicizar seu apoio aos periódicos abertos.

IV. Assegurar que os acadêmicos de sua instituição saibam encontrar periódicos e arquivos de acesso aberto em suas áreas e que dispõem dos meios para acessá-los.

V. Monitorar a situação. Se os periódicos de acesso aberto se proliferam e o impacto de seu uso cresce, cancelar jornais caros que não mereçam mais a assinatura.

Periódicos e editores


I. Estimular seus autores para arquivar seus trabalhos nos repositórios OAI.

II. Experimentar novos modelos de negócios em ambientes de acesso aberto.

III. Se os textos dos autores são submetidos a caros procedimentos editorais e gráficos, considerar a possibilidade de oferecer acesso aberto aos textos básicos.

III. Se não oferecer acesso aberto, pelo menos permitir aos autores manter seus direitos autorais, pedindo somente o direito de primeira impressão ou publicação eletrônica.

IV. Se ainda não está preparado para oferecer acesso aberto as suas publicações, pelo menos oferecer aos exemplares publicados a mais de seis meses.

V. Se seu periódico adotou políticas restritivas de acesso, declare independência e procure um publisher mais adequado a sua visão de acesso aberto.

Fundações e agências de fomento à pesquisa


I. Oferecer fundos para as universidades para ajudar à criação de repositório de arquivos, assim como suporte técnico e logístico necessário para mantê-lo.

II.Requerer dos bolsistas o auto-arquivamento de seus trabalhos ou a publicação dos resultados das pesquisas em periódicos de acesso aberto.

III. Oferecer suporte aos autores de instituições mais carentes para cobrir os custos, se houver, de publicação de seus trabalhos nos periódicos e arquivos de acesso aberto.

IV. Disponibilizar fundos que possam ser destinados a cobrir os gastos, se houver, de manutenção dos periódicos de acesso aberto.

V. Fomentar a criação de periódicos de acesso aberto.

VI. Usar seus fundos para ajudar os periódicos existentes em papel a fazerem a transição para publicação de acesso aberto.

VII. Usar fundos de ajuda a periódicos para digitalizar edições anteriores, propiciando acesso aberto às mesmas.

VIII. Tomar medidas para assegurar que os fundos de pesquisa não estejam sendo destinados para apoiar jornais que se opõem ativamente ao acesso aberto.

IX. Apoiar grupos de cientistas e pesquisadores em áreas e disciplinas particulares que estão tentando promover o acesso aberto.

Associações profissionais e entidades de classe

I. Apoiar e promover um auto-arquivamento (baseado na disciplina) e distribuir o auto-arquivamento (baseado na instituição) de seus membros.

II. Adotar uma política de suporte aos periódicos e arquivos de acesso aberto em seu campo, encorajando os pesquisadores a publicar neles.

III. Caso publique um periódico acadêmico, deixe-o disponível on-line a seus leitores, sem quaisquer cobranças de taxas.

IV. Encorajar universidades a dar a revisão de pares de publicações on-line o mesmo peso das publicações cujo suporte é o papel.

Governos


I. Como condição à aceitação do pedido de bolsa de pesquisa, os pesquisadores-bolsistas deveriam concordar de arquivar todos os resultados da pesquisa e/ou publicá-los em jornais de acesso aberto.

II. Adotar uma legislação uniforme que cubra todas as agências governamentais que financiam pesquisas.

III. Reter os direitos de cópia dos artigos financiados com dinheiro público e a licença do resultado do trabalho para o domínio público para assegurar o acesso aberto permanente.

Cidadãos


I. Fazer seu governo, universidade, fundações ou sociedade profissional saber que apóia o acesso aberto a todas as publicações científicas e à literatura acadêmica.

II. Pressionar e reivindicar que a pesquisa financiada pelo contribuinte esteja disponível para o público sem a necessidade de pagamento.




As medidas acima indicadas dão excelentes referências iniciais para a elaboração de políticas institucionais de fomento à difusão de conteúdos digitais de pesquisas e documentos científicos. Podem também servir de ponto de partida para um debate que conduza ao estabelecimento de políticas públicas no âmbito governamental.

As universidades são grandes produtoras de conhecimento científico, tecnológico, cultural, artístico e histórico. Para aqueles que produzem ou contribuem para a produção desse conhecimento, é fundamental que ele seja divulgado, difundido e alcance impacto e reconhecimento. Para a universidade é importante também mostrar o que tem sido produzido na instituição, seja para demonstrar a competência de seus quadros ou até para justificar o emprego de recursos públicos em pesquisas. Para docentes, pesquisadores e estudantes interessa um acesso mais facilitado à produção intelectual, ao material didático e a documentos diversos de pesquisa.


Proliferação das publicações digitais e mudanças culturais – por que não o acesso aberto?


        Um dos problemas da difusão do acesso aberto é a grande diversidade de interesses envolvidos. Trata-se com atores que agem em sentidos diversos: acadêmicos, bibliotecários, agências de fomento, editores, publishers e associações profissionais. A maior parte dos obstáculos decorre em função de práticas culturais arraigadas, insuficiência de informação, falta de padrões de referência e também aquela que parece ser a mais tacanha das razões: a luta pelo poder. Seria ingênuo acreditar que é a falta de informação é o maior problema para a expansão do acesso aberto.

Para os autores, a razão de publicar, não é apenas a visibilidade, mas a autoridade e o prestigio. É sabido que, na academia, mecanismos de prestígio alcançados nos seus âmbitos disciplinares, mediante reconhecimento dos cânones correspondentes são transformados em poder político e capacidade de influência (Dagnino, 2002). Essa “competição”, traduz-se em situações como a de rejeições de trabalhos por razões nem sempre claras. Não raro, idéias inovadoras, áreas consideradas “marginais”, advindas de pesquisadores desconhecidos ou ligados a instituições de menor porte ou de pessoas sem “bons contatos” são excluídas de certos espaços. Ser ligado a grupos acadêmicos rivais ou que não seguem os cânones da área pode ser também fatal. A aceitação dos suportes digitais significa uma ampliação enorme da base informacional, dos editores, autores e dos canais de comunicação em geral.

Há que considerar que na lógica horizontal e descentralizada da Internet é a comunidade que determina a relevância, não um pequeno grupo de “esclarecidos”. Isso é algo difícil de aceitar, pois nos sistemas acadêmicos e universitários existem rígidas hierarquias que, na prática, controlam a difusão e a aceitação de novos “conhecimentos”. Conforme Holanda (2005):

“Até os dias atuais, a organização e a avaliação da pesquisa foi feita a partir da vigência de uma absoluta hierarquia do saber. A partir do entendimento de que a informação é um produto fixo, de que a unidade de troca da informação é relativamente permanente e de que esta se dá num ambiente sobretudo estável.

No caso de um ambiente como o da Internet, a unidade individual da troca de informação (...) é totalmente permeável. Conseqüentemente, a posição do pesquisador no âmbito de uma estrutura com esse novo formato é radicalmente alterada. As convenções hierarquia e linearidade, vitais para a pesquisa tradicional, tornam-se inócuas.”


Além disso, sempre se trabalhou com um processo bem mais lento de produção de conhecimento, que envolve uma dinâmica de aceitação por pares. Isso podia fazer com que fosse necessária uma geração de pesquisadores para ocorrer uma mudança de paradigma. A velocidade da inovação hoje é extraordinariamente maior.

Como a maior parte das relações econômicas, profissionais e sociais utiliza, de alguma forma, a rede, como responder, então, a tão fortes tendências? Se uma publicação está fora da rede, está fora das relações de intercâmbio e de inovação que ocorrem a partir dela. E se está na rede, compete com publicações digitais de baixo orçamento. Algumas destas contam com centenas de milhares de leitores e adquiriram rápido prestígio na área em que atuam – como muitas dos portais DOAJ, RedAlyC e PloS. Nesse cenário, o poder só pode ser garantido negando insistentemente a Internet através de medidas de comitês de avaliação que obrigam os autores, sob pena de não terem seu trabalho devidamente avaliado e reconhecido, a submeterem seus artigos ao demorado, labiríntico e, por vezes, obscuro sistema de publicação nas tradicionais publicações no suporte papel ou de acesso restrito.

Não há dúvidas de que a proliferação das publicações digitais tende a esvaziar o poder dos conselhos editoriais dos periódicos tradicionais. O acesso ao orçamento de institutos, fundos de pesquisa, as boas relações com pessoas do meio editorial, com membros de comitês de pesquisa ou que ocupam posições-chave já não dão a mesma garantia de influência no campo científico. A solução para alguns é agir como se a Internet ainda não existisse ou como se tudo que estivesse na rede não prestasse – a não ser que se trate das “renomadas e tradicionais” publicações de editoras que investiram seu lobby no novo filão do acesso pago, como a Elsevier ou Springer.

Cabe dizer que o movimento Acesso Aberto não defende apenas uma “causa nobre”, e tampouco é exatamente revolucionário ou anti-establishment. Sua ação responde por uma necessidade de utilizar modernos meios tecnológicos para racionalizar o uso de recursos, em grande parte públicos, que são tão escassos quanto fundamentais para a produção e ampla difusão do conhecimento humano.


Algumas conclusões

(…) The final result will be the vision that science as a competitive sharing of minds,
as a system of distributed intelligence, will be much enhanced by open acces
s even as individual scientist will find themselves leaving scientific feudalism
to enter a true Republic of science at long last.”


Jean-Claude Guédon, professor de Literatura Comparada, Universidade de Montreal.
Conferência “Beyond Open Access: The Political Economy of Knowledge”,

Project Open Source / Open Access Lecture Series, Univ. de Toronto", 7 de abril de 2005

A luta pelo acesso aberto contra as publicações pagas e o feudalismo acadêmico que o sustenta é bastante parecida com a luta do software livre contra a Microsoft. Em ambos os casos, estão em jogo o conhecimento aberto e compartilhado contra formas empresarias que tentam sujeitar bens públicos a interesses econômicos privados. Se essa afirmação for um equívoco, como explicar o enorme poder das milionárias editoras Elsevier, Blackwell Publisher e Springer, depois de mais de dez anos de franca expansão da Internet, que oferece ferramentas tão simples e intuitivas para provê-la de conteúdo? Se a questão fosse apenas definir normas, uma comissão editorial e um conselho técnico-científico, o problema já teria sido resolvido. A maior barreira para uma melhor disseminação das publicações digitais, infelizmente, é a conservadorismo acadêmico.

A sociedade do conhecimento, forjada por aqueles que criaram e animam o espírito da Internet – muito antes de sua popularização, portanto – é caracterizada pela busca do saber com base na coletivização, na distribuição e na difusão das descobertas nas comunidades de interesse. O compartilhamento em todas esferas do conhecimento em escala global é uma tendência que choca, desde sua essência, com velhas práticas que obram – até por inércia – no sentido contrário: pela concentração do saber, pela hierarquização, pelo poder auto-legitimado e auto-concedido e pelo prevalecimento do ganho econômico sobre o interesse social. Trata-se de matrizes ideológicas e comportamentais bastante distintas e altamente conflitivas que afetam não apenas o campo acadêmico, mas, como vimos no início do texto, também os campos cultural, social e econômico.

A disponibilização pública de conteúdos digitais, sua proteção legal e a garantia de acesso aos seus produtos derivados são fundamentais para alimentar as cadeias culturais, artísticas e científicas. Devem ser consideradas também as questões da proteção aos direitos autorais e da garantia do domínio público, no caso do resultado de pesquisas financiadas pelo erário. Nesse sentido, as declarações internacionais ajudaram a estabelecer os primeiros marcos para o início de uma discussão madura sobre tais temas.

A universidade hoje dispõe de meios acessíveis, criativos e baratos para superar os muros invisíveis que a separam de parte da sociedade. Iniciativas como o estímulo ao acesso aberto, a criação de um repositório de conteúdos digitais e a elaboração de uma política consistente com respeito à divulgação de conteúdos digitais vêm de encontro com a demanda dos docentes de difundir sua produção intelectual e de ter acesso facilitado às pesquisas dos colegas. Além disso, a promoção de mecanismos de acesso aberto dá mais visibilidade e transparência àquilo que é produzido pela universidade, reforçando sua função de servir à sociedade ao promover o conhecimento científico e a difusão cultural.


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1 A licença creative commons foi criada para dar amparo jurídico para que o autor possa disponibilizar sua obra à utilização comum, permitindo a cópia, distribuição e outros tipos de uso. Existem diferentes modalidades desse tipo de licença, de modo a permitir ao autor, segundo seus propósitos, “reservar alguns direitos” com respeito às possibilidades de modificação da obra, usos e, inclusive, comercialização. Para mais informações, ver Creative Commons (2005).

2 Esse número foi projetado considerando as tendências de crescimento da Internet: em janeiro de 2005, havia 300 milhões de hosts – servidores conectados permanentemente à rede, segundo o Internet Domain Survey (ISC, 2005). O crescimento do número de hosts tem se dado numa razão entre 15 e 20% por semestre.

3 Devido a grande mídia, a palavra hacker tem sido associada incorretamente ao criminoso ou fraudador digital. Na realidade, esse é o cracker. Termo hacker tem origem na cultura dos primeiros desenvolvedores da Internet, refere-se aos entusiastas apaixonados da informática. Estes compartilhavam suas descobertas e competências e estavam sempre em busca de novos desafios. Uma interessante leitura sobre o tema é o livro de Himanen (2001). Outra referência sobre o tema pode ser encontrada no Wikipédia (2005).

4 Outros documentos importantes são: Budapest Open Access Initiative, de 14 de fevereiro de 2002; Glasgow Declaration on Libraries, Information Services and Intellectual Freedom, de 19 de agosto de 2002; Bethesda Statement on Open Access Publishing, de 20 de junho de 2003; ACRL Principles and Strategies for the Reform of Scholarly Communication, de 28 de agosto de 2003; Wellcome Trust position statement on open access, de 1 de outubro de 2003; além da Carta aberta de 25 ganhadores do Prêmio Nobel ao Congresso Americano em apoio ao uso de repositórios abertos – de 30 de agosto de 2004. Para consultar os documentos citados ver Acesso Aberto Brasil (2005).

5 Sobre o procedimento meritório para a concessão do acesso aberto, a Declaração de Berlim estabelece como condição que: “O(s) autor(es) e depositário(s) da propriedade intelectual de tais contribuições devem garantir a todos os usuários por igual, o direito gratuito, irrevogável e mundial de aceder a um trabalho erudito, o mesmo licencia para copiá-lo, usá-lo, distribuí-lo, transmiti-lo e exibi-lo publicamente, e para fazer e distribuir trabalhos derivativos, em qualquer meio digital para qualquer propósito responsável, todo sujeito ao reconhecimento apropriado de autoria (os padrões da comunidade continuarão provendo os mecanismos para fazer cumprir o reconhecimento apropriado e uso responsável das obras publicadas, como agora se faz), e concede o direito de efetuar cópias impressas em pequeno número para seu uso pessoal.” (Declaração de Berlim, 2003).